sábado, 21 de agosto de 2010

Sábado de poesia (já que o Joel tá no encontro...)

Manuel Bandeira

Ultima Canção do Beco

Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!

Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!

Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhas,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhas!

Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobre quando,
Pobre, vim morar aqui.

Lapa – Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)

Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmola para os pobres,
- Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vem na porta do templo
De noite se agasalhar.

Beco que nasceste a sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!

25 de marco de 1942

PS: eu não sou tão ignorante quanto aparento.

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