Machado de Assis e o jogo de Xadrez
Extraído de texto homônimo publicado em
Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, vol. 13, 1952.
Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, vol. 13, 1952.
"Meu bom xadrez, meu querido xadrez..." "Tudo pode ser, contanto que me salvem o xadrez." Machado de Assis. A Semana. 12/1/1896 Vol. 3, pag. 84.
"... diria à bela Miranda que jogasse comigo o xadrez, um jogo delicioso, por Deus!" Machado de Assis. A Semana. 25/2/1894 Vol. 2, pag. 30.
"Enfim, uma era nova parecia surgir para o xadrez nacional, quase moribundo, após os dias brilhantes de Caldas Vianna, Artur Napoleão, Machado de Assis e outros." Eurico Penteado. Xadrez Elementar. São Paulo,
1927.
Machado de Assis foi um apaixonado do jogo de xadrez. Seu interesse por este divertimento levou-o a ocupar posição destacada nos círculos enxadrísticos do tempo do Império. Mantinha correspondência com as seções especializadas dos periódicos da época; compunha problemas e enigmas, e, indo mais além, participou do primeiro torneio de xadrez efetuado no Brasil.
É provável que sua iniciação no jogo tenha sido fruto da influência de Artur Napoleão, o grande pianista português, que enfrentara em Nova York, aos dezesseis anos de idade, em partida de exibição, o famoso campeão do mundo, Paul Charles Morphy. O virtuose luso radicara-se no Rio de Janeiro, e, de volta de uma de suas viagens à Europa, acompanhara ao Brasil Carolina Xavier de Novais, futura esposa de Machado, de cujo casamento viria a ser uma das testemunhas.
É provável que sua iniciação no jogo tenha sido fruto da influência de Artur Napoleão, o grande pianista português, que enfrentara em Nova York, aos dezesseis anos de idade, em partida de exibição, o famoso campeão do mundo, Paul Charles Morphy. O virtuose luso radicara-se no Rio de Janeiro, e, de volta de uma de suas viagens à Europa, acompanhara ao Brasil Carolina Xavier de Novais, futura esposa de Machado, de cujo casamento viria a ser uma das testemunhas.
Coincide, de fato, essa fase enxadrística do romancista com a presença do grande pianista na Corte. O primeiro torneio de xadrez, realizado em 1880, com a participação dos seis mais destacados amadores residentes no Rio, teve como local da disputa a residência de Artur Napoleão, na Rua Marquês de Abrantes.
Em 1868 já freqüentava Machado de Assis o Clube Fluminense, com a finalidade de jogar xadrez, conforme confessa em uma de suas crônicas reunidas na coleção de A Semana. Anos mais tarde praticava no Grêmio de Xadrez, que funcionava em cima do Clube Politécnico, na rua da Constituição, nº 47. Nesse salão realizou-se o match contra Artur Napoleão, que lhe deu partido do cavalo da dama e, ainda assim, venceu a disputa por 7 a 2.
O interesse de Machado de Assis pelo jogo prolongou-se por muitos anos, conforme revelação constante da correspondência com Joaquim Nabuco que, em 1883, lhe enviava de Londres retalhos de jornais com transcrições de partidas, atendendo ao pedido que lhe fora feito.
Em 4 de janeiro de 1882 fundava-se no Rio o Clube Beethoven. Sanches de Frias, em sua biografia de Artur Napoleão, declara, erradamente, que se tratava de clube de jogo, mascarado sob a proteção do nome do compositor alemão.
Examinando alguns documentos do Clube, existentes na Biblioteca Nacional, chegamos à conclusão de que se trata de exagero do biógrafo. Na verdade, a seção de xadrez não foi instalada de início. Na descrição do Clube, constante do Almanaque Laemmert de 1884, não há citação de dependências especiais para a prática daquele jogo; nos anos seguintes é que se indica a existência de uma "sala de jogos de xadrez". A lista publicada dos sócios fundadores, bem como a de sua primeira diretoria, não inclui os enxadristas conhecidos na época, que só ingressaram meses depois, quando foram admitidos Artur Napoleão, Caldas Vianna, Charles
Pradez, Machado de Assis e outros. É possível que, daí por diante, tenham desenvolvido a seção de jogos. O próprio romancista, que passou a exercer na diretoria funções de bibliotecário, ao descrever o Clube Beethoven não mencionou a palavra "xadrez". Esse Clube (Beethoven) era uma sociedade restrita, que fazia os seus saraus íntimos em uma casa do Catete, nada se sabendo cá fora senão o raro que os jornais noticiavam.
Pouco a pouco se foi desenvolvendo, até que um dia mudou de sede, e foi para a Glória. Aquilo que hoje se chama profanamente "Pensão Beethoven", era a casa do Clube. O salão do fundo, tão vasto como o da frente, servia aos concertos, e enchia-se de uma porção de homens de vária nação, vária língua, vário emprego, para ouvir as peças do grande mestre que dava nome ao Clube, e as de tantos outros, que formam com ele a galeria da arte clássica.
"O nome do Clube cresceu, entrou pelos ouvidos do público; este, naturalmente curioso, quis saber o que se passava lá dentro. Mas, não havendo público sem senhoras, e não podendo as senhoras penetrar naquele templo, que o não permitiam as disciplinas deste, resolveu o Clube dar alguns concertos especiais no Cassino.
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"Mas tudo acaba, e o Clube Beethoven, como outras instituições idênticas, acabou. A decadência e a dissolução puseram termo aos longos dias de delícias".
Machado de Assis. A Semana. Vol. 3, 5 de julho de1896.
Nos torneios efetuados pelo Clube, a partir de 1882, não há referências à sua participação. Teria começado a declinar o seu entusiasmo pelo xadrez? As referências ao jogo, colhidas em suas obras, vão rareando desse ano para a frente. No Clube dos Diários, onde se jogava muito, não consta a participação de Machado de Assis, ao contrário de Caldas Vianna e de Artur Napoleão, cujos nomes constam da relação de associados.
A qualidade do jogo de Machado, examinada através do estudo de suas partidas, e a facilidade com que solucionava os problemas publicados na imprensa dão-nos uma idéia lisonjeira de sua força como jogador.
Enfrentando o mestre Artur Napoleão, ainda que levando partido do cavalo da dama, conseguiu ganhar-lhe duas partidas do match. O pianista português era aficionado fortíssimo. Dividiu, durante muito tempo, com João Caldas Vianna, filho do Visconde de Pirapetinga, o reinado do xadrez entre nós. Publicou, em 1898, uma coleção de problemas, seus e de outros, sob o título de Caissana Brasileira, redigiu várias seções especializadas em revistas e no Jornal do Commercio e possuía uma fabulosa biblioteca de livros técnicos, em vários idiomas, incluindo obras raríssimas hoje disputadas a peso de ouro. Para ajudar as pesquisas dos amadores publicou, em anexo ao seu livro, o catálogo minucioso dessa coleção. Já idoso, continuava a compor problemas, muitos dos quais podem ser apreciados em várias edições do Almanaque Garnier. O Traité Manuel des Échecs, de Henri Delaire, em sua edição de 1930, ainda transcreve uma de suas melhores composições.
Outro grande enxadrista que Machado de Assis enfrentou, de igual para igual, foi João Caldas Vianna. Este pode ser considerado o maior jogador surgido no Brasil até 1930. Uma partida sua, contra A. Silvestre, jogada no Clube dos Diários, figura obrigatoriamente nos mais importantes tratados de xadrez publicados em todo o mundo. Até hoje é conhecida e praticada a "Defesa Rio de Janeiro", de sua invenção, na "Partida Espanhola"
(Rui Lopez), variante favorita de Emmanuel Lasker, campeão mundial durante 27 anos seguidos.
Vê-se que Machado de Assis, no que toca aos parceiros, estava em boa companhia. A primeira parte de nossa pesquisa estendeu-se aos jornais e revistas em que figura o nome de Machado de Assis como enxadrista.
Cronologicamente, começamos pela Ilustração Brasileira – ponto de partida de nossas informações. A seção especializada, redigida por Artur Napoleão, surgiu no nº 15, de 1 de fevereiro de 1877, e a primeira citação do nome de Machado vem no nº 16, de 15 do mesmo mês. Em abril de 1878 deixou de sair a Ilustração Brasileira.
Artur Napoleão, associado a Leopoldo Miguez, também grande amador do xadrez, passa a editar, em 1879, a Revista Musical e de Belas-Artes. Cedendo ao impulso natural de sua paixão pelo jogo redige, a partir do nº 18, de 3 de maio de 1879, a seção competente, na qual Machado de Assis voltará a ser citado desde o nº 36, de 6 de setembro de 1879, em diante.
Com o desaparecimento dessa revista, em 1880, decorreram alguns anos sem menção de noticiário especializado regular na imprensa carioca. Em 1886, o Jornal do Commercio começou a publicar, aos domingos, uma coluna sob a responsabilidade do obstinado Artur Napoleão. Não conseguimos, infelizmente, obter qualquer referência às atividades enxadrísticas de Machado de Assis nessa fase. Num retrospecto dos torneios de xadrez, publicado pelo referido jornal em sua edição de 3 de janeiro de 1886, não há menção à participação de Machado entre os disputantes. Os solucionistas dos problemas são, via de regra, os mesmos que enviavam correspondência para as seções da Ilustração Brasileira e da Revista Musical e de Belas-Artes; estranhamente, não figura entre eles o nome de Machado de Assis. Estaria desinteressado pelo jogo nessa ocasião, ou seu nome viria disfarçado sob algum pseudônimo, dos vários remetidos semanalmente para o jornal?
De 1892 a 1896 saíram as crônicas de A Semana e, em 1898, Artur Napoleão publicou a Caissana Brasileira, onde se encontra, sob o nº 17, na página 11, um problema de autoria de Machado de Assis, que já havia figurado na Ilustração Brasileira de 15 de junho de 1877.
Esta constitui, cronologicamente, a última referência enxadrística que encontramos sobre o romancista, publicada quando este ainda era vivo.
Na segunda parte transcrevemos as passagens dos escritos de Machado de Assis com referências expressas ao jogo de xadrez. Data, a primeira, de 1864, o que vem corroborar a suposição de que Artur Napoleão tenha sido o professor do romancista, e a última, de 1896. Colhemos os dados em todas as suas obras, inclusive nos volumes publicados ultimamente por R. Magalhães Júnior, e numa parte da correspondência publicada. Ainda que não se possa chamar de abundante o material colhido, nota-se, contudo, um apreciável halo de simpatia pelo jogo e seus praticantes.
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