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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Artigo de José Augusto Valente sobre portos

Em nenhum lugar do mundo,
 o privado constrói e opera porto 
para terceiros onde e quando quiser

José Augusto Valente (*)



Pelo que se lê na imprensa, um dos principais debates na discussão do governo Dilma Rousseff sobre o pacote de portos refere-se à possibilidade da iniciativa privada construir e operar terminal portuário, com carga preponderante de terceiros, onde quiser.

O atual marco regulatório não permite isso porque a Constituição Federal e a Lei 8.630/93, complementadas pelo Decreto 6.620/08, afirmam que o serviço de movimentação de carga de terceiros (prestação de serviço público) é atribuição exclusiva da União e somente pode ser descentralizada para estados e municípios, via convênio, ou para operação privada, via licitação pública.

Terminais de uso privativo – exclusivo ou misto – podem ser construídos e operados por grupo privado para movimentação de carga própria e, no caso dos mistos, de carga de terceiros em caráter eventual e complementar, mas jamais para movimentação ilimitada de carga de terceiros.

Assim, para permitir que isso ocorra, a presidenta teria que mudar radicalmente o marco regulatório e promover uma completa liberalização para construção e operação de terminais de uso privativo.

A CF proíbe a  iniciativa privada
de construir e operar terminal portuário
A má notícia é que esse modelo não existe em nenhum país desenvolvido ou emergente. Nem mesmo a ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, com todo o poder que dispunha, alterou o marco regulatório para este formato.

No Reino Unido, ela vendeu ativos e concedeu por 99 anos a operação de dois terminais na Inglaterra e um na Austrália. Aqui, pelo que se tem ouvido, no novo ordenamento atualmente em gestação, a iniciativa privada poderá construir e operar terminais sem pagar nada à União e por prazo indeterminado.

Se isso ocorrer, o Brasil será o único país do mundo a ter esse modelo ultraliberal, já que o modelo predominante – repito, nos países desenvolvidos e emergentes – é igual ao nosso. E o pior, esse modelo original se confrontaria com a Constituição Federal, já que o que se diz é que a adequação legal será feita apenas alterando a Lei 8.630/93, também conhecida como Lei de Modernização dos Portos, e outros instrumentos infraconstitucionais.

É bom que se diga que não acreditamos que a presidenta Dilma faça essa alteração ultraliberal, que vem sendo especulada nos veículos de comunicação, pelos motivos expostos a seguir:

1) O modelo ultraliberal retira do governo a capacidade de ordenar o desenvolvimento nacional e regional, bem como garantir a segurança do país, construindo e operando terminais onde for mais adequado, para garantir escala e, com isso, redução de custos para os usuários e não para os armadores.

Se o objetivo é garantir terminais portuários, para carga de terceiros, para viabilizar uma adequada logística do agronegócio, por exemplo, é melhor licitar a construção e operação de novos terminais, sob regime de concessão.

A liberalização total somente interessa aos armadores, que pretendem verticalizar suas operações logísticas, tendo seus próprios portos, onde melhor lhes aprouver e não onde seja melhor para o país.

2) Na primeira tentativa dos armadores em promover essa alteração, que aconteceu no período 2000/2008, eles encontraram na então ministra-chefe da Casa Civil uma oposição muito firme. Que resultou na edição do Decreto 6.620/08, que fechou totalmente as portas para o projeto ultraliberal verbalizado, na ocasião, pela senadora Kátia Abreu, do então DEM.

3) Se o objetivo é destravar investimentos, basta a SEP e a Antaq liberarem todos os projetos de expansão dos terminais de uso público, que encontram-se há algum tempo aguardando parecer dessas duas instâncias, o que permitirá atender o crescimento da demanda nos próximos vinte anos. Somente essa medida liberará investimentos superiores a R$ 10 bilhões, a começar agora, em 2013.

Além disso, há licitações em andamento, como a do terminal de minério de Itaguaí (RJ), que precisam ser aceleradas. Este projeto prevê investimentos de R$ 1,5 bilhão em três anos.

Há muito mais a escrever sobre essa temática, o que faremos nos próximos editoriais.

(*) José Augusto Valente é engenheiro especializado em transportes e logística.

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